
Quem acompanha a política no Brasil, com certeza, já se deparou com um discurso recorrente: a ideia do “estado brasileiro inchado”. Desde o crescimento vertiginoso das ideias neoliberais, essa narrativa parece ter se enraizado no imaginário popular. Por mais que seja infundada e muitas vezes usada apenas para alavancar votos, ela se torna aparentemente sólida quando alimentada por uma série de números escolhidos a dedo, com o intuito de mostrar um cenário específico.
A essência dessa ideia é que o Brasil gasta demais com servidores públicos e que o cidadão “perde” cada vez mais ao pagar impostos sem receber nenhum retorno. A solução, segundo essa visão, seria a redução imediata dos gastos com serviços públicos, apresentada como uma medida infalível e necessária para equilibrar as contas e fazer o “país ir para frente”.
Essa narrativa não é nova. Foi com ela que o “caçador de marajás” Fernando Collor foi eleito em 1989. Seu governo, marcado por cortes no orçamento público e pelo confisco das poupanças, jogou o Brasil em uma das maiores crises financeiras de sua história, levando milhares de trabalhadores à pobreza.
Em 2018, Jair Bolsonaro também foi eleito com uma campanha baseada em promessas de corte de gastos, reforma administrativa e uma autorregulação da economia pelo mercado, em linha com as ideias de seu “posto Ipiranga”, o economista Paulo Guedes. O resultado foi um país estruturalmente despreparado para enfrentar a pandemia de COVID-19, um cenário que ficará marcado como um exemplo de como o estado precisa de uma estrutura robusta e de servidores públicos qualificados nas áreas de educação, saúde e segurança. O governo Bolsonaro resultou no grave desmonte dos serviços públicos, feito propositalmente para abrir espaço para a iniciativa privada, e na volta do Brasil ao mapa da fome, uma situação que com muito esforço foi revertida durante o governo Lula. Além, é claro, das mais de 700 mil mortes decorrentes da pandemia.
E, depois de todo o caos causado pelos defensores dessa ideia, a pauta da reforma administrativa volta mais uma vez aos holofotes, agora pelas mãos do presidente da Câmara dos Deputados Hugo Motta e do deputado Pedro Paulo (PSD) que é o relator da proposta na Câmara. Mais uma vez, o discurso da necessidade de cortar gastos do estado em prol da eficiência da máquina pública ressurge e encontra eco nas vozes de muitos brasileiros desavisados.
Contudo, depois de tantas tentativas da direita brasileira de atacar o serviço público, já conseguimos reunir várias provas para desmistificar esse discurso, começando pela pergunta…
O Brasil gasta demais com o serviço público?
Para responder a essa pergunta, muitos economistas que buscam justificar reformas administrativas costumam usar a porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) que cada país gasta com o funcionalismo público. Nessa análise, o Brasil aparece em 6º lugar no ranking de maior porcentagem do PIB gasto com servidores, à frente de países desenvolvidos como Suécia, França e Itália, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
No entanto, utilizar apenas o PIB não é o ideal para uma análise satisfatória. O PIB, isoladamente, não reflete a desigualdade social, a qualidade de vida e ainda traz desafios metodológicos para comparações equitativas, como a necessidade de conversão de moedas e ajustes do custo de vida.
Quando analisamos por outros ângulos, como a porcentagem destinada ao funcionalismo público comparada com as despesas totais do país, o Brasil fica atrás de muitas nações desenvolvidas que destinam uma parcela muito maior de seus gastos ao funcionalismo. Exemplos são: Islândia (32,66%), Canadá (29,97%), Dinamarca (29,84%) e Noruega (29,82%). Nesse ranking, o Brasil é o 32º país que mais destina parte de suas despesas ao funcionalismo público.
Outro ponto de análise é a quantidade de trabalhadores do país com vínculos públicos. O Brasil tem em torno de 12,4% dos trabalhadores com vínculos públicos. Ele fica atrás de países como Estados Unidos (13,56%), Uruguai (16,92%) e Argentina (19,31%). Mais importante, o Brasil fica abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 23,48% de trabalhadores ligados ao serviço público.
Além disso, segundo levantamento do TheGlobalEconomy.com, o Brasil fica atrás de todos esses países no quesito qualidade dos serviços públicos prestados. Este é um resultado óbvio para uma nação com um longo histórico de ataques e pouco investimento na área.
Com base nesses dados, talvez possamos chegar ao consenso de que o Brasil, na verdade, investe pouco em serviços públicos. O funcionalismo público no país está lotado de servidores que acumulam funções, trabalham em condições precárias e precisam lidar com um volume gigantesco de trabalho.
Mas, ainda assim, você pode se perguntar…
E os supersalários?
Não está errado quem se indigna com funcionários públicos recebendo quantias exorbitantes e trabalhando pouco. No entanto, é justamente por serem tão indignantes que os supersalários são utilizados como uma cortina de fumaça.
Segundo a professora Barbara Johas, que recentemente publicou um texto sobre a proposta de reforma administrativa no site da ADUFPI, “a imensa maioria [dos servidores públicos] ganha entre 2 e 6 salários mínimos”. No mesmo texto, ela salienta que a questão do fim das férias de 60 dias também segue esse propósito, já que apenas 0,3% dos funcionários públicos têm esse direito.
Além de a desculpa dos supersalários ser apenas um argumento frágil, o próprio relator do texto da reforma administrativa, Pedro Paulo, já deixou escapar em uma entrevista para o jornal O Globo que a revisão desses salários ainda não seria possível. Segundo ele, “ainda é preciso buscar um acordo entre os Poderes e líderes para que essa questão seja incluída na reforma”.
Fica claro, com isso, que o real motivo não é criar um estado mais eficiente, que gaste menos e ofereça serviços de qualidade à população. Aqueles que estão a favor da reforma administrativa têm um projeto completamente diferente em mente, mas então…
Qual o real motivo por trás da reforma administrativa?
Desde o governo Michel Temer, temos percebido um movimento forte e constante vindo de setores políticos ligados à direita no Brasil: o da privatização e terceirização. No governo Bolsonaro, várias empresas foram privatizadas, como a Eletrobras, CELG-D, BR Distribuidora, Codesa, Codoma e Liquigás, entre outras. Além disso, houve a tentativa de privatizar a Petrobras e os Correios.
Paralelamente às privatizações, houve um aumento significativo da contratação de empresas terceirizadas em vários setores do serviço público, como o que ocorreu na aqui Universidade Federal de Ouro Preto.
Para que a privatização e terceirização de serviços ocorram , e o dinheiro que deveria ser utilizado para aumentar a receita do Estado e retornar para a população se transforme em lucro para a iniciativa privada, é necessário que existam motivos plausíveis para a venda das instituições. Para isso, surge a tentativa de sucateamento.
Não é raro ver políticos de direita afirmando que o Estado não funciona e que alguém com “mentalidade de empresário” poderia gerir um setor muito melhor. Para sustentar esse discurso, a direita busca tomar medidas que precarizam os serviços públicos, como educação, saúde e segurança, de forma proposital, para que essa precarização possa ser utilizada como desculpa para a privatização.
Diante de todas essas evidências, é crucial que nos unamos para lutar contra a reforma administrativa. Ela representa um perigo real e iminente, ameaçando diretamente a estabilidade dos Técnicos Administrativos da UFOP. O sindicato ASSUFOP está atento a essa questão e se mantém combativo para não permitir que a extrema direita consiga sucatear o Estado e acabar com o serviço público de qualidade que a população brasileira tanto precisa. O que está em jogo não é a eficiência do serviço, mas sim um projeto de desmonte que beneficia poucos em detrimento da maioria.
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Os Da Direita! Só Olham Seus Próprios Interesses …..